Veio
como foi, num piscar de olhos, em que se parou e avançou. Olhar que prendeu e
captou. Tudo sucedeu num ápice, que não se pensou mais, que se atirou para um
canto perdido do cérebro, debaixo de um tapete curtinho, com pontas de sobra. Foi
um momento disperso no escorrer vagaroso do tempo, típico daquele lugar de
contrastes. Daqueles em que o mundo se aperta, em que a consciência adormecida
até então volta com a força que não nos habituamos que ela tenha. Foi um
momento, alguns minutos de compasso de espera num semáforo encarnado.
O sol a pique. As folhas de rara vegetação, acastanhada e empoeirada, a
opacidade das ondas de ar transparentes a fumegarem, contendo o peso do calor.
E este, acumulava-se nos ombros pequenos e franzinos, que tentava proteger,
rodopiando-se devagarinho, sentado na sombra que minguava, de um arbusto enfezado,
cuja vivacidade fugia do verde para o acastanhado ressequido, denunciando falta
de cuidado, falta de zelo e de atenção. Era assim também a sua expressão. Sentado
na relva feia, à beira da estrada empacotada de carros, jipes, motos.
Empacotada de gente, gente alheada. Ele ali estava, à vista de todos quanto se
importassem em ver para além dos olhos abertos. Estava sim, e incomodava.
Estranhava a consciência dos que tivessem olhado sem querer.
Queria ter descido, queria
ter-lhe dado uma palavra de aconchego. Queria tê-lo levado consigo, comigo…
para lhe afagar o rosto e vê-lo dormir numa cama de lençóis lavados,
aconchegá-lo em carinhos de alfazema fresca. Dizer-lhe, com certeza, que tudo
vai ficar bem. Queria.
O semáforo abriu por fim, o rosto
foi ficando para trás, lá onde sempre esteve, persistindo no movimento vagaroso,
para perseguir a sombra fugaz. Para perseguir a única ponta de conforto da
existência que ninguém lhe perguntou se queria.
Avançou cada vez mais e perdeu de
vista o menino. Amaldiçoou a pseudo-existência que era a dela, guardou aquele
olhar absorto por um momento e chorou. Mais à frente, acabou por o esquecer.
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