Gosto
das caras. Gosto dos rostos fortes, marcados pelos raios crus e toscos dos
trópicos. Gosto das tranças multicolores das meninas que caminham com grandes mochilas às costas, cheias de
lápis de cor de vários feitios, tamanhos, e de esperanças, grandes esperanças. São
crianças como eu fui e como todas o são, aqui ou em qualquer parte do mundo.
São flores com pés.
quarta-feira, 19 de março de 2014
Junto
O sol vai alto lá fora. Penso nele, aí nesse lugar a afagar-te os ombros em simples carícias maternais. E, mesmo longe, vejo-te sorrir, com o rosto ensonado ainda por abrir para o dia que já aí vai solto. E sinto-te perto, a agarrares-me o braço sem pensar, como uma posição que se tomou sem se perceber. Assumes-te nas intermitências quentes que o sol alterna com a brisa agitada e fria. Não que não estejas no meu pensar, mas é mais nos sentidos que te revelas. Com mais veemência para me ires lembrando, que estás sempre aí, a olhar-me sem te distraíres um momento.
segunda-feira, 10 de março de 2014
Labirintos de Luz
Enquanto
ia no táxi, pensava na cidade e na sua luz, nas pessoas de lá para cá, no rio
ao fundo a cortejar-me, numa sincronia despropositada. Aí, pensei no sentido da
vida e nos seus inquietantes porquês. Como se tivesse 15 ou 16 anos de novo.
Pensei em deixar tudo e vir para casa. Ou sucumbir à luz e ficar por ali
entretida com ela numa esplanada no empedrado de alguma rua. Há dias em
que a luz da cidade me confrange de tão límpida e cristalina, uma tela em
branco, limpa à mercê de tantas possibilidades e escolhas. Saí do táxi e
apressei-me a atravessar a avenida para não me atrasar. Subi ao sétimo andar e ainda
tive tempo para fitar as vidraças retangulares, com vista por cima dos prédios de
geometrias harmoniosas e arquiteturas requintadas de outros tempos. Envelhecidos
mas belos, como que pintados de fresco com pinceladas transparentes de luminosidade.
Respirei a claridade que entrava na janela e senti-me feliz por estar assim, no
impasse da minha ambiguidade intermitente que se manifesta quando menos se
espera, especialmente em dias como o de hoje onde a cidade se veste destas metamorfoses
de luz que ofuscam, aquecem por fora e desassossegam por dentro.
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Hope
Já sei sim. Que a vida é difícil, e que o mundo está cheio
de interesses e coisas vãs. E da crise e de como temos de ser muito agradecidos
por termos trabalho, existência, ar para respirar… Já sei. Mas hoje não quero aceitar a
falência massificada da sociedade que não dá pontos sem nó e onde o espírito de
compromisso e de valor é um vaso de terra bolorenta onde não há mais nada a
despontar. Hoje queria tão só viver o mundo na sua medida certa. Queria que ele
fosse como o meu pai, justo, meritocrático, compreensivo e observador.
domingo, 9 de março de 2014
Consciência Abstrata
Hoje tornei
à minha ambiguidade. Voltei para junto do meu ser que pensa mais do que quer.
Que não se quer conformar. Não se compadece com os dias e as horas nele
arrumadas em caixas de ovos de cartão canelado, vendidas à dúzia ou meia.
Amanhã já começa outra semana com horas dessas assim que se usam e deitam fora.
Aos serões de Domingo na televisão, uma espécie de hipnose de purpurinas, parece
fazer esquecer o vácuo que fica dos dias que vão passando e não se preenchem
com nada que importe. Durante a semana são as novelas vendidas a metro que magnetizam o ecrã e não deixam ninguem de perto desandar. E assim a semana vai passando e nós vamos indo para ali e para
aqui com a correnteza que já não nos incomodamos de questionar. Vamos indo,
mesmo que às vezes nem sabendo, estejamos a ir de volta para trás.
Ver
Os tempos
são de procura. De desafio e de esforço. Sem tempo para olhar e ver. É preciso
ter-te aqui para me visitar de vez em quando. Escrever-me para chegar mais
perto de mim. Foi para isso que vim alimentar-te. Com os despojos da rotina dos
dias. A espuma que não se vê, mas que vai se adensando aos pés e aos caules,
podendo paralisar. Foi por isso que me decidi. Para o amanhã não ser só um dia
a menos, uma cadeira enferrujada onde me sento e olho sem ver.
Dos Retalhos
São pequenos
retalhos de realidade sincronizada, sublimados na cadeia ofuscante das rotinas
de cada dia. Momentos de celebração silenciosa, de manifestação despropositada.
São melódicos chilreares, e botões em flor, são bocas vincadas e olhos
lânguidos. Demarcam-se sozinhos, sem alarido ficcionado. Dentadas de realidade
simples, pesada ainda que criadora. São saudades tuas, grãos de areia fina no
teu pé descalço. Sincronização abstrata e abstraída, despretensiosa do sentido
que lhe dá força e condição. Metamorfoses, sussurros de verdade, crua. São
momentos avulsos de clarividência inconsciente. Lufadas de imprevisto e
genuíno. É sempre aí que te encontro a fitar-me sem saberes.
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