quinta-feira, 17 de julho de 2014

Buraco negro








Às vezes parece que me sinto a escrever de trás para frente. Penso nos aborígenes que conheci no nortinho da Austrália, a viver de trás para a frente. Penso nos garotos descalços em África a brincar e a correr de trás para a frente. Penso nas últimas décadas e como têm andado para trás. Ninguém tem culpas. Ninguém tem razão. Todos querem ir para a frente. Mas não conseguem. Só os que subvertem. Só os que sujam e rasgam os princípios. No outro dia a minha Mãe confessava-se preocupada pois achava que um dia os computadores controlariam o mundo. Pensando bem, talvez não fosse assim tão alarmante.

Penso quando foi que começou? Quando foi que ficámos assim? Virados ao contrário, olhando para trás? As teias de favores, trapaças e vigarices que se criam por todo o lado. Os poderes que desmandam e subvertem e abafam. Impunes, sempre. Os ladrões de régua e esquadro, gravatas chiques e nomes sonantes. Sabichões de Honoris Causas que mandam e desmandam em nós. Que terminam com os sonhos de uma vida de gente que gasta tudo o que tem em dignidade e ainda assim vive aprisionada.

Nós por cá nos mantemos. Nós por cá nos alimentamos de sol, de ar e de água turva. Tiram-nos os dedos e os anéis, tiram-nos a qualidade e a segurança. Nós permanecemos por cá, até porque temos cá família, temos cá os amigos, poucos já. Até que um dia também nós, no miradouro de São Pedro de Alcântara, não consigamos mais. Não suportemos mais os anos que andam para a frente, e a vida que regride para trás, cada dia, mês, ano... O trabalho torna-se elogio de loucura. A sua posse ouro. E a sua contemplação déspota. Não foi para isto que se lutou. Todos. Os passos da troika ou os pensamentos filosóficos de Sócrates e outros platões que tal, não sei, não dou cavaco. Mentem. Mancham-se e entre-cruzam os céus empinados, convencidos e despreocupados. Prepotentes. Gente pequena com fome de poder e manipulação. Gente pequena com traumas de infância, que está a hipotecar o futuro da nossas crianças.

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